BREVE HISTÓRIA DO GÊNERO MUSICAL
O sucesso mundial do reggaeton é inegável. Desde que chegou ao topo das paradas, ganhou a reputação de um gênero superficial e apolítico. No entanto, o caminho que o levou ao topo da cena musical esconde muito mais nuances: das origens mestiças à irreverente latinidade num mundo cada vez mais globalizado, o reggaeton é reivindicado como fruto musical de um contexto social que não pode ser ignorado. Vem com a gente!
Origem e início do reggaeton:
O reggaeton nasceu nas últimas décadas do século XX como um fenômeno underground – que fugia dos padrões valorizados – nas favelas de Porto Rico e do Panamá. Até que se tornou um sucesso global a partir dos anos 2000.
No início, o gênero era uma variante do reggae e do rap em espanhol ao qual se acrescentava a batida repetitiva e quase hipnótica característica que forma a base deste gênero, chamada de dembow – que surgiu, na verdade, na Jamaica.
A evolução do ritmo:
No entanto, foi em Porto Rico que o gênero se popularizou. Os primeiros reggaetoneros porto-riquenhos foram chamados de rappers, e o gênero que anos depois se tornaria popular era chamado de melaza, música negra ou música underground. Esses nomes explicitam como o reggaeton iniciante estava intimamente ligado a questões de classe e raça: havia se tornado um alto-falante para comunidades marginalizadas, principalmente afro-latinas.
A campanha de criminalização levada a cabo pelas autoridades porto-riquenhas contra o ritmo só conseguiu consolidá-lo. O argumento usado foram suas letras explícitas sobre violência, crime e sexo. Com essa justificativa, a polícia confiscou fitas cassete com gravações e multou os moradores que tocavam esse tipo de música. Essa criminalização fazia parte da campanha “Mano dura contra el crimen”, iniciada em 1993 sob a liderança do governador Pedro Rosselló.data:image/gif;base64,R0lGODlhAQABAAAAACH5BAEKAAEALAAAAAABAAEAAAICTAEAOw==
Música do porto-riquenho Eddie Dee, Censurarme (2004).
O boom:
Jamaica, Panamá e Porto Rico: as raízes do reggaeton se ancoram no Caribe. O gênero é produto de migrações e diásporas vividas na região, desde jamaicanos que viajaram para o Panamá até porto-riquenhos que emigraram para Nova Iorque em busca de uma vida melhor. Ele herdou as conotações políticas do reggae e do hip hop e se reinventou com um som caribenho que ressoa o legado afro e latino que se mistura na região. Além disso, tornou-se uma identidade musical comum entre as classes populares dos países banhados pelas águas mornas do Atlântico.
No entanto, o status do reggaeton mudou ao longo dos anos, especialmente quando os artistas em Porto Rico começaram a driblar a censura com letras menos explícitas, tanto no nível de conteúdo violento e sexual quanto no nível político. Graças a isso e ao esforço crescente de produtores latinos, o reggaeton começou a ser considerado um gênero cada vez mais convencional e de tendência. Um dos marcos mais importantes dessa ascensão foi Gasolina (2004), de Daddy Yankee, uma música que deu a volta ao mundo e penetrou no mercado ocidental hegemônico, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos.data:image/gif;base64,R0lGODlhAQABAAAAACH5BAEKAAEALAAAAAABAAEAAAICTAEAOw==
Sucesso global, Gasolina, de Daddy Yankee (2010).
A Colômbia também desempenhou um papel importante na comercialização e despolitização do reggaeton. Principalmente a partir da década de 2010, Medellín se tornou um dos principais pólos de criação dessa nova música. Num país de salsa e vallenato, o reggaeton ganhou mais melodia e mais romantismo na sua passagem pela Colômbia, fato ao qual alguns atribuem o triunfo definitivo desta música urbana, ao ajudar a comercializá-la. Basta olhar para cantores como Maluma ou J Balvin, artistas colombianos mundialmente famosos que atualmente tocam em todas as casas noturnas. O reggaeton certamente se transformou em um dos principais embaixadores da latinidade no mundo.data:image/gif;base64,R0lGODlhAQABAAAAACH5BAEKAAEALAAAAAABAAEAAAICTAEAOw==
Mi gente, do cantor colombiano J Balvin (2018).
A resposta feminista:
Se há um elemento que manteve a sua hegemonia ao longo da evolução do reggaeton, é a construção, através das letras e das representações gráficas, de uma masculinidade muito específica. A imagem típica do reggaeton é a do homem normativo: heterossexual, sedutor, proativo diante de uma mulher passiva, guiado pelo desejo sexual, competitivo. À sua frente, a mulher é frequentemente retratada como um corpo que usa sua hipersexualização para manipular e enlouquecer os homens. A construção da masculinidade é igualmente machista, reforçada pelo fato de a grande maioria dos artistas serem homens.
A questão existe no reggaeton há muito tempo e, obviamente, gera muitas críticas. Em uma sociedade onde o patriarcado é estrutural, o machismo é a norma. Porém, nos últimos anos surgiram grupos, cantores e iniciativas que procuram mostrar que o problema não está no reggaeton em si, ou na sua dança, mas em quem preenche as estrofes. A grande pioneira nesse contexto é Ivy Queen, cantora porto-riquenha que luta pelo espaço feminino no ritmo desde seu surgimento.
Outras cantoras seguiram o mesmo caminho que Ivy Queen abriu, uma das únicas mulheres que conseguiu um espaço no palco do primeiro reggaeton. A argentina Nina, nossa brasileira Anitta e Tomasa del Real, do Chile, também tem várias canções onde celebra a sexualidade livre da mulher e onde a figura feminina aparece como personagem proativo. Farina, Natty Natasha, Becky G e Carol G também são exemplos cada vez mais populares dessa nova guinada reggaetonera.
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